terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Bebendo Goethe em Urussanga...

Goethe. O nome época aquilo que de melhor a Alemanha produziu na literatura. Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), escritor e pensador germânico, foi um dos fundadores do romantismo europeu e ainda hoje é tido como o mais importante autor de seu país. Para quem vive da produção de uva e vinho na região de Urussanga, no sul de Santa Catarina, a palavra Goethe tem um significado extra, que não aparece em nenhum verbete de enciclopédia. Ali, o nome do escritor sintetiza uma vocação histórica e cultural. É em torno da uva Goethe cultivada em seus verdejantes vales que gira a ideia de fazer da região sinónimo de um vinho único, de produção familiar, e que pode ajudar a manter vivas as tradições dos imigrantes que se estabeleceram por lá desde o final do século 19.

Entre os dias 20 e 23 de Janeiro, as cidades de Urussanga, Pedras Grandes e Içara se uniram para receber turistas dispostos a vivencial a vindima da uva Goethe em todas as suas dimensões. Mais que ter a oportunidade de colher a uva do parreiral e acompanhar o início de sua vinificação, os visitantes puderam provar vinhos de safras anteriores e degustar sorvetes e outros produtos elaborados com a uva e com o vinho Goethe. A receita de cuca criada por uma padaria local estava particularmente saborosa.

Fui para lá com um amigo, o industrial e gourmet Marcelo Schlickamann. Nascido e criado na vizinha São Ludgero, ele é um estudioso de vinhos do mundo todo e entusiasta do que se engarrafa nos vales da uva Goethe. Nossa primeira parada foi uma antiga estação de trem, onde ainda desembarcam passageiros vindos de maria-fumaça. A ferrovia foi criada par escoar carvão mineral até o porto mais próximo, em Tubarão. A linha ainda está ativa para trens de carga, mas a estação hoje funciona como centro de informações turísticas. Fomos recebidos por um grupo de pessoas que compartilha o mesmo sonho: o de obter a Indicação Geográfica para a uva Goethe – e, a partir daí, incrementar tanto o enoturismo quanto a produção vitivinícola familiar, até chegar à Denominação de Origem, algo que o vinho brasileiro ainda não obteve em nenhuma de seus várias regiões produtoras.


Taça de vinho goethe com a vinícola Mazon ao fundo
Mais que sonhar, aquelas são pessoas que realizam. Estudam a cultura do vinho, pesquisam sua história, experimenta novas possibilidades de produzir e divulgar seus rótulos. Foi pensando assim que criaram a Associação ProGoethe, fundada em 2005 e hoje presidida pelo produtor Renato Damian, de cuja cantina saem 80 mil garrafas de brancos, tintos e espumantes por ano. “A marca de vinho Goethe é um produto registrado que resgata uma identidade exclusiva da nossa região”, afirma. A associação mantém um site (http://www.progoethe.com.br/) e publicou um belíssimo livro contando a história do vinho na região. E até já recebeu um pesquisador francês para ajudar no trabalho de consolidação de imagem dos Vales da Uva Goethe e de seu vinho.

Urussanga pode ser ainda uma cidade desconhecida do grande público, mas tem muita história para contar. A cidade já abrigou uma vinícola capaz de engarrafar 2 milhões de litros de vinho de mesa por ano, a Caruso MacDonald. E ainda hoje funciona a elegante edificação encomendada em 1942 pelo governo Getúlio Vargas para sediar um instituto de pesquisa em enologia, mais tarde encampado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina (Epagri). Em Urussanga também há um belo parque, administrado pela prefeitura, onde ocorre a festa do vinho todos os anos.

E o vinho Goethe? Minha primeira impressão foi boa – e melhorou quando o comparei com os vinhos feitos na região com outras castas ou mesmo com uvas trazidas de São Joaquim, no alto da Serra Catarinense. Pouco alcoólico (na faixa de 11% ), o vinho Goethe é leve, frutado, com baixa acidez e muito refrescante. Mas não é um vinho fino. Obtida a partir do cruzamento de variedades viníferas (83%) e labruscas (17%), a uva Goethe tem casca mole e fina, uma característica que implica num vinho mais baseado no suco extraído de sua polpa do que na maceração. É uma bebida original, mas dificilmente conseguirá impressionar os críticos mais exigentes. Mesmo assim, ele acena com um futuro promissor para quem quer viver do enoturismo por ali. A Vigna Mazon, que reúne vinícola, pousada e restaurante com espaço para eventos, tem elaborado vinhos mais sofisticados de olho em uma clientela exigente.


Um de seus rótulos, o Nascondiglio di Goethe, tem tudo para se transformar num ícone local. “Nunca pensei que eu me tornaria vinicultora”, diz a proprietária Giselda Mazon. “E no entanto aqui estamos, a família toda envolvida com o vinho, com o turismo e com a identidade da nossa região”. Os produtores reunidos na ProGoethe são pessoas simples e dedicadas à sua paixão pelo vinho. Patrícia, filha de Giselda, é também diretora de turismo de Urussanga e uma das grandes mobilizadoras de esforços para promover a região. Como ela, os produtores dali parecem inspirados pelas palavras de Goethe, a quem se atribui a máxima segundo a qual “a vida é curta demais para ser desperdiçada com vinhos ruins”. Nisso, todos concordamos.

http://colunas.epoca.globo.com/vidautil/2011/02/01/bebendo-goethe-em-urussanga/

De autoria de Celso Masson
publicado no blog Vida Útil
Sérgio Lüdtke
Editora Globo - Época Online Editor

Comentários:

Deyse Schlickmann:
1 fevereiro, 2011 as 17:59
Adorei a matéria… Singela e romântica, as palavras falam a verdade sobre a região e o carinho das pessoas em relação a uva. Parabéns!

Marcelo Schlickmann:
1 fevereiro, 2011 as 19:05
Celso, necessitamos de pessoas iguais a vc, para incentivar nossa região a dar sequencia no sonho de Urussanga, num futuro proximo, a ser reconhecida pelo Vale da Uva Goethe, o título da DO… Denominação de Origem, Certificado ambicionado por várias regiões produtoras.
Parabens pela Materia divulgada

Um comentário: